quarta-feira, agosto 15, 2007

Álbum de memórias #1




Na altura de me reconciliar com as memórias...
o meu álbum de momentos.

Depois de Londres


Regressei de Londres com um sentimento de sonho cumprido, conquistado... mas com uma sensação de vazio. Como quando se alcança algo que se deseja muito e logo a seguir não sabemos o que fazer com isso.

Foi fácil o que esperava difícil e díficil o que dava como fácil... acho que me baralhou. Senti-me segura. Mas pela primeira vez confrontei-me com uma solidão que me assustou, sobretudo porque estou habituada a viajar sozinha, a viver para mim. Ali custou-me, pela primeira vez.


Acho que me perdi, ou se calhar não me encontrei. Uma insatisfação permanece como se tivesse ficado algo por completar. Não sei bem o quê. Não é o álbum que ficou por fazer ou as fotografias que desta vez nao organizei. Não me apetece contar as histórias, mostrar as imagens, escrever as crónicas, reviver os momentos.


Não fiquei deslumbrada. Não marcou verdadeiramente uma etapa. Não mudei, nada mudou. Talvez a maior lição é que não posso estar à espera que as coisas me mudem, mas sou eu que tenho de dar os passos. Na verdade não sei bem se queria mudar alguma coisa.


Mas tenho saudades de me sentir Londoner... das ruas, das viagens de metro com o jornal na mão, dos passeios pelos parques, das visitas em descoberta da cidade... daquela que foi também a minha cidade. Daqueles que foram até agora dos melhores momentos que vivi. Se calhar tenho saudades de mudar de hábitos, de rumos, de horizontes...

Londres encheu a minha vista, mas sinto não me preencheu a alma...

London by night



A importância da luz nas nossas vidas revela-se quando damos pela sua falta.

Viver em Londres no Inverno não é fácil para quem se habituou a olhar a luz do sol na maior parte do dia. É deprimente sair às 16h e encontrar a escuridão da meia noite, disfarçada por entre as iluminações das ruas. Os museus encerram e as lojas fecham pelas 18h. Todos se refugiam nos bares espalhados pela cidade. A vida é a dos bares e pouco mais. Os espectáculos são para os turistas e o cinema é ocasional. A cidade perde o seu encanto e a sua vida cedo de mais para o estatuto que carrega.

Londres à noite é tão encantador quanto assustador. Uma iluminação perfeita, misteriosa e colorida cobre a cidade... deserta e silenciosa.

Londonpaper



Os jornais gratuitos fazem parte do dia a dia da cidade. E passam a integrar a nossa rotina! Estranhamos a estação de metro que não tem um ponto de distribuição e que nos vai obrigar a fazer o percurso sem ler as notícias do dia. Atravessamos a rua só para receber o jornal antes que esgote. Ansiamos por aquele momento ao fim da tarde onde podemos finalmente sentar-nos a relaxar e a ler os 3 jornais que conseguimos juntar desde a manhã! É como se a cidade nos passasse diante dos olhos. As notícias, as não-notícias, os passatempos, as fotos, as crónicas... tudo nos interessa. Opinamos interiormente sobre os assuntos, enviamos comentários e até participamos nos passatempos. É nesta altura que nos sentimos integrados, como parte da cidade. É dela que vamos à procura.

Interessante perceber que na cidade procuramos o que é diferente e é isso que aceitamos e facilmente integramos na nossa vivência. Nas pessoas procuramos o reconhecimento e o que há de comum. E é difícil aceitarmos e integrarmos uma vivência social distinta da nossa.

Estranhava as comunidades que viviam em Londres de costas voltadas para a cidade. Só veêm televisão do seu país de origem, só leêm jornais na sua língua, cozinham apenas a sua culinária. Não vivem a cidade, vivem numa cidade para eles incógnita, com a mesma indiferença que esta lhes reserva. Vivem da cidade. Sempre pensei que o encontro de culturas em Londres era pacífico. Um dia a dia rotineiro onde se cruzam povos de cada ponto do mundo que se habituaram a conviver. Mas é exactamente porque nos interessamos pela cidade que rapidamente nos apercebemos que não há nada de pacífico nesta teia multicultural. Cada um vive no seu nicho que rodeia com as mesmas fronteiras, tão sólidas e bem delimitadas quanto as geográficas. E tão distantes quando a distância que os separa no globo. O intercâmbio é apenas a partilha dos mesmos espaços, os da cidade apenas. A comunicação é para exigir direitos comuns, aceitação, integração... estranhamente integração da cidade na sua cultura, mudança em função da sua religiosidade... e não integração das suas culturas na cidade. Uma crescente maioria heterogénea que afasta os verdadeiros Londoners, incapazes de reagir e impor as suas regras. Percebo o seu sentimento, como que vítimas do roubo da sua identidade.

Como seria Londres sem esta rede internacional? Mais genuína ou desinteressante? Menos desenvolvida com certeza.

A quem pertencem as cidades afinal? Temos algum direito sobre o nosso espaço? O direito de procurar uma vida melhor ali mesmo ao lado é assim tão universal?

Londoner


Foi um período aguardado com muita expectativa. Planos misturados com sonhos num misto de descoberta... de um novo mundo, dos outros e de mim própria. "O novo mundo" eu encontrei reunido naquela cidade...vagueando pelas ruas, pernoitando em Picadilly's Circus, enchendo as carruagens do metro ou fazendo compras nas lojas dos arredores. "Os outros" faziam dos bares a sua rotina diária, como se mais nada existisse nessa vidinha inacreditavelmente monótona na cidade mais fervilhante da Europa.

Londres foi para mim uma experiência estranha. Pensei que iria ter dificuldade em adaptar-me à cidade, à rotina do metro, aos sentidos contrários. Pensei que iria rapidamente integrar-me num círculo social de amizades e partilhas de experiências semelhantes, períodos de passagem, encontros fortuitos. Tudo correu bem, mas ao contrário.Uma semana bastou para me sentir "Londoner" e entranhar sem estranhar os diferentes circuitos, lugares, paragens, estações, etc. Ouvir diferentes línguas, espreitar culturas diversas ou provar comidas exóticas passou a ser banal. A rotina profissional essa, foi afinal o mais fácil. A cidade encanta pela simplicidade e comodidade com que acolhe os forasteiros. Mas três meses não foram suficientes para me integrar no seu espírito e na sua alma. Não me encontrei ali, mas encontrei-me muitas vezes sozinha. Estranha-se a frieza no acolhimento, a indiferença, o sabor por vezes amargo das respostas como que a denotar o cansaço pelos estrangeiros... sentimo-nos invasores e ao mesmo tempo tão inseridos no mundo que ali se encontra e se reune todos os dias. Londres não seria a mesma sem a diversidade das culturas que acolhe. São os estrangeiros que nos acolhem nesta casa que não é deles... e por isso mesmo nos recebem tão bem. Mas no final não são os estrangeiros que queremos encontrar. Não são as outras culturas que queremos ver, pelo menos não ali. Desenraizadas, perdidas numa vida onde o salário é o único elo de ligação à cidade. Interessante como percebemos que não é nelas que nos reconhecemos e não são elas a nossa companhia. Procuramos os europeus, os verdadeiros Londoners com os quais sentimos partilhar algo em comum, uma identidade própria que ultrapassa as fronteiras dos nossos países mas não as do continente. É a europa que nos une. E foi ela que eu não encontrei. Talvez as minhas expectativas fossem erradas em ir em busca de um ambiente familiar, de um contexto outrora de intercambio, num local onde a diversidade ofusca quaisquer laços e cria apenas uma manta de retalhos por coser.

A nossa vida não são as cidades ou os espaços. Esses enquadram-se facilmente no nosso padrão. As pessoas são o mais difícil nas cidades, como em tudo afinal. São elas que marcam as nossas experiências e carimbam as nossas vivências.

Vivi Londres cidade exaustivamente... e fiquei-me por aí.